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Com uma visão única do contexto atual associado a anos de prática e estudos, a equipe do doutor Humberto Gurgel (Santé) desenvolveu técnicas terapêuticas e diagnósticas voltadas para a correção destas e readaptação a esse novo mundo cheio de demandas e agressões.

Guerra das Estatinas

15/09/2022
Guerra das Estatinas

Você já se sentiu enganado? A sensação é ruim, não é? E se milhares de pessoas, pacientes e os próprios médicos tivessem sido enganados.

Um editorial do British Medical Journal, um dos periódicos médicos mais conceituados do mundo, de dezembro de 2017, levanta essa questão sobre uma das drogas mais vendidas e rentáveis – as estatinas, medicamentos que reduzem o colesterol. Até 2020 estima-se que a receita das vendas de estatinas chegue a mais de 1 trilhão de dólares – isso contando com a queda na patente das mesmas.

Uma grande contestação começa a surgir em alguns segmentos médicos contra a prescrição das estatinas para pessoas saudáveis (ou seja, que não tem doença arterial coronariana) que apresentam apenas o colesterol elevado. Há preocupações de que os benefícios tenham sido exagerados e que os riscos tenham sido subestimados. E o mais grave segundo este editorial, os dados sobre a eficácia e segurança das estatinas estão sendo mantidos em sigilo e não foram submetidos à análise pela comunidade médica e científica.

Em resumo – o editorial afirma, categoricamente, que médicos e pacientes estão sendo deliberadamente enganados.

As estatinas (inibidores da HMG-CoA redutase) foram inicialmente recomendadas para pessoas com cardiopatia já existente (prevenção secundária), mas os fabricantes rapidamente procuraram aumentar as indicações do medicamento e capturar uma fatia maior da participação de mercado. A próxima população-alvo eram as pessoas saudáveis ​​(prevenção primária).

Uma maneira eficaz de impor uma prescrição mais ampla de medicamentos é exercer influência sobre os comitês encarregados de formular as diretrizes médicas, como a American Heart Association. No início dos anos 2000, o Programa Nacional de Educação sobre Colesterol dos EUA (NCEP) revisou a definição de “colesterol alto”, reduzindo drasticamente o limiar – assim, do dia para a noite, milhões de pessoas deixaram de ser saudáveis e viraram doentes. E, principal – consumidoras das estatinas. Essa decisão não se baseou em novos dados científicos, mas sim na noção cada vez mais popular de que “menos é melhor” quando se trata de colesterol. Chegou-se até a sugerir que como medida de saúde pública as estatinas deveriam vir suplementadas na água.

Essa redução dos níveis de colesterol para a população saudável levantou questões ético-financeiras de diversos membros dessas sociedades médicas, que tinham conflitos de interesse evidentes em suas análises. Só no NCEP citado no parágrafo anterior, 8 dos 12 membros do comitê tinham laços financeiros com os fabricantes de remédios para baixar o colesterol.

Além dos níveis de colesterol, outras sociedades ponderavam escores de risco cardiovascular para indicar ou não as estatinas – e pasmem – surgiram evidências de que as “calculadoras” utilizados para avaliar o risco cardiovascular aterosclerótico eram imprecisos e que aumentavam o risco em até 115%!

aponta o artigo, é que a maioria dos trabalhos sobre essas drogas são patrocinadas pelas indústrias farmacêuticas, ou seja, há desconfiança de que dados sobre benefícios sejam exagerados e de efeitos colaterais minimizados (desconfia-se que a taxa de abandono do tratamento com estatinas por dor muscular seja bem maior que o indicado nas bulas).

Apenas um grande estudo não financiado pela indústria sobre estatinas foi feito (o estudo ALLHAT), que mostrou que essas drogas não tiveram nenhum benefício significativo na redução da mortalidade por qualquer causa ou doença coronariana na prevenção primária.

Estudos citados no editorial e recentes, mostrou que pessoas que tomaram uma estatina diária por 5 anos só aumentaram sua expectativa de vida em 4,1 dias em comparação ao grupo que não usou o medicamento – e isso em pacientes com doenças arterial coronariana. Na prevenção primária o aumento da expectativa de vida foi de meros 3 dias.

Esse artigo ainda critica a visão míope da cardiologia, com a obsessão por redução drástica do LDL colesterol (no Brasil inclusive, ano passado nos vangloriamos de ter a menor meta de colesterol LDL do mundo) – que é na verdade um desfecho secundário dos estudos de doença cardiovascular.

O editorial finaliza levantando a importância urgente de se abrir a caixa-preta dos estudos sobre as estatinas – mas enquanto não se abre, talvez já possamos começar como médicos a discutir com nossos pacientes a real necessidade de uso contínuo dessas drogas à luz desses fatos.

 

 

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